sexta-feira, 18 de outubro de 2013



A saúde de Hierania Batista Avelino Peito.  A existência da deficiência visual e da Síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-hauser marcam a sua vida - Parte VI.






Foi também o Drº. Antônio Carlos Franco quem nos indicou o seu colega, Drº. Sebastião Piato, para examinar, diagnosticar e esclarecer as dúvidas que, principalmente, hierania tinha sobre a sua própria sexualidade, no tocante a possibilidade de transplantar um útero para gestar e dar a luz a sua criança, a margem de sucesso das fertilizações in-vitro, as condições legais para obter uma “barriga de aluguel”, o seu desempenho sexual, no que tange a dar e a receber prazer, a maneira correta de se fazer a abordagem do assunto com o seu parceiro sexual e em que momento do relacionamento afetivo isto deveria se dar, as prováveis reações masculinas e os efeitos hormonais sobre o seu organismo, dentre outras coisas que já nem me recordo mais.

Hierania sentia um grande temor em relação a expor-se afetivamente e de sofrer rejeição masculina em razão da existência desta síndrome.

O Drº. Sebastião Piato, após lhe fazer uma minuciosa exposição técnico-científica de seu quadro clínico-ginecológico, disse-lhe que a sua maior dificuldade para estabelecer um relacionamento afetivo-amoroso com fins de obter prazer sexual, não estava na Síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser, mas sim em sua deficiência visual, a que gentilmente chamou de: “probleminha em seus olhos”.

Disse-lhe que a maioria dos homens era muito preconceituosa e problemática, em virtude dos tabus que estes nutrem em relação a sexualidade da mulher com deficiência da visão.

Enfim, disse-lhe que os homens têm uma “cabecinha muito complicada” e estes se sentiam tolhidos e envergonhados de demonstrar sua libido para uma mulher com deficiência da visão.  Consideravam, em via de regra, ser isto um pecado ou um sacrilégio.

Disse-lhe que esta seria a sua maior barreira para estabelecer um relacionamento afetivo-sexual com fins de se casar e de constituir família.

E, por fim, desejou-lhe sucesso e muitas felicidades.

Nessa perspectiva, expôs-lhe, ainda, que, cientificamente, a única coisa que não dava para contornar era a possibilidade de carregar em seu ventre o seu bebê.  Esta seria a sua única frustração em razão de não ter condições de gestar a sua criança e de sentir os seus movimentos, bem como de não ter o prazer de sentir os movimentos da criança e a reação de seu marido ou parceiro sexual, durante as relações sexuais, neste período tão importante da vida da mulher.

Foi, dessa maneira, que, em 1990 _ quando estava com dezenove anos de idade _ que conhecemos o Drº. Sebastião Piato, um grande médico e cientista, daqueles inesquecíveis por sua imensa erudição, seu forte amor a ciências médicas, o admirável respeito ao ser humano e a sua tocante sensibilidade humana.

Como visto, o Drº. Sebastião Piato primou pela sinceridade em esclarecer todas as suas dúvidas pessoais.

Disse-lhe, que, até aquele momento, não era possível realizar a cirurgia de transplante de útero, porque este órgão é muito vascularizado.  Mas disse-nos que acreditássemos na evolução das pesquisas médicas.

Naquela época, adotava-se a terminologia de “barriga de aluguel” para se denominar o procedimento que, hoje, chama-se de: “útero de substituição”.

O Drº. Piato disse-lhe que, se tivesse condições financeiro-econômicas, deveria realizar este procedimento em qualquer um dos Países Nórdicos, de preferência, na Suécia, que possuía a legislação mais avançada e a aplicação mais eficaz desta legislação em todo o planeta.

Disse-nos, que, infelizmente, o nosso Congresso Nacional não se debruçava sobre este ponto tão importante da vida civil de seus cidadãos e, consequentemente, não produzia legislação que amparasse os pais biológicos que adotassem este procedimento para realizarem o sonho de se tornarem pais de sua própria criança.  Também, disse-nos que o Judiciário do País não era de confiança, porque era muito instável quanto aos seus entendimentos.  Assim, temia a ocorrência de futuros problemas de conseqüências gravíssimas para a vida do casal e da própria criança, submetidas a esta técnica de reprodução humana.  E, no geral, temia a nefasta repercussão na vida de toda a família do casal envolvido.

Esclareceu-lhe, ainda, que era perfeitamente possível ter relações sexuais de forma a dar e a receber prazer.

Ensinou-lhe algumas técnicas médico-ginecológicas que deveriam ser informadas ao seu parceiro, com fins de que fossem utilizadas entre o casal para tornar a relação mais satisfatória para ambos, tais como, a existência de um forte vínculo amoroso-afetivo-sexual entre eles, a ênfase nas preliminares sexuais e que o pênis deveria girar em sentido anti-horário, isto é, do ânus para a vagina, pois este movimento facilita a abertura da vagina e a penetração pênis-vagina se torna menos dolorosa.

Naquela época, falou-lhe, ainda, que o melhor método para se construir uma vagina era o Método de Frank.  Este consiste na fabricação de um molde de acrílico no formato de um pênis, de acordo com a sua anatomia pessoal, que é usado diariamente em movimentos circulares anti-horários para ajudar nas relações sexuais.

Falou-nos, também, do método natural, isto é, do tradicional coito vaginal e de sua freqüência diária.

Participou-nos de sua experiência como professor de medicina na Faculdade de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, na qual era comum o atendimento de casos de mulheres com Síndrome de Rokitansky que tinham suas respectivas vaginas construídas desta forma.  Geralmente, a maior freqüência da utilização deste método se dava entre os nordestinos brasileiros, pois sentem a necessidade de realizar a penetração vaginal completa para provarem a sua masculinidade.

Disse-nos que este era um método muito eficaz, mas muito doloroso para a mulher.

Assim, este não era o perfil dos casais que freqüentavam o Hospital Santa Izabel _ hospital anexo a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Estes casais chegavam já procurando o tão incômodo e doloroso método da cirurgia plástica para a reconstrução da vagina, porque a penetração tinha sido incompleta.

Este método é incômodo, porque consiste na utilização do transplante de tecido epitelial do glúteo ou da perna para a construção do terço superior da vagina, que é de tecido conjuntivo.

Hoje em dia, as técnicas para a reconstrução vaginal para as mulheres portadoras da Síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser modificaram-se muitíssimo, graças a evolução da medicina para atender ao público transexual e transgênero que deseja a mudança de sexo ou a redesignação sexual.

Cientificamente, a cirurgia de redesignação sexual é denominada de genitoplastia de feminização ou de genitoplastia de masculinização, por evidente, variando conforme o gênero.

A vaginoplastia não reconstrutiva ou rejuvenescimento vaginal é o nome científico para a cirurgia de reconstrução vaginal para as mulheres portadoras da Síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser.

O silicone revolucionou a técnica.

Hierania, nesta consulta médica, recebeu uma orientação muito completa e abrangente, em termos sociais, jurídicos e científicos.

Por este motivo, o Drº. Piato, também, questionou-lhe sobre vários aspectos, tais como, o da sua lubrificação vaginal, quando era estimulada sexualmente.  Hierania respondeu-lhe que este ocorria de forma normal e satisfatória.

Disse-lhe que este seu estado de saúde ginecológico era de interesse esclusivamente do casal e que este assunto deveria ser abordado em um momento de intimidade e cumplicidade do mesmo, a fim de que pudessem contar com a compreensão um do outro.  Enfim, disse-lhe que se tratava de uma questão muito íntima do casal para não ferir a sua sensibilidade humana.

Recomendou-lhe, ainda, que tivesse relações sexuais, já, naquele momento de sua vida, para verificarmos como o seu organismo iria funcionar, após a sua iniciação sexual, visto que, como possuía útero calcificado, poderia ser que, por um milagre de Deus, este se desenvolvesse e tivesse capacidade de gerar uma criança, de forma natural. 

Por evidente, frisou-lhe que esta era uma possibilidade muito remota.  Mas não impossível, porque, como cristão que era, acreditava que para Deus, nada é impossível.

Participou-lhe que deveria retornar para uma nova consulta médica com o seu parceiro sexual _ namorado ou marido _ a fim de que as suas prováveis dúvidas fossem diluídas.  Acreditava que o amor superava todas as barreiras e, que, assim, não seria alvo de qualquer discriminação ou rejeição afetivo-sexual por parte de seu parceiro.

Tão logo obtivemos o diagnóstico médico, comunicamos o fato para toda a nossa família, inclusive para a minha irmã caçula, Ivone Batista Pereira, em busca de apoio emocional.

A minha prima, Idelma Bapttista Pereira _ mãe do Drº. Agenário de Souza Batista _ dentre tantos outros familiares, também, foi consultada.

Chegou-se a conclusão de que não se deveria dar publicidade ao fato de Hierania ser portadora desta síndrome para se evitar zombarias ou violência psicológica por parte de pessoas pouco esclarecidas.  Afinal, Hierania já era alvo do estigma de ser portadora de deficiência visual e encontrava-se no período da adolescência.

Ângela Maria Pereira Alves Penna era uma espécie de sua conselheira para assuntos afetivos e quotidianos.  Sempre se deram muito bem.  Sempre foram muito amigas uma da outra.

Seu pai _ Secundo Avelino Peito - morreu sem saber que sua filha era portadora da Síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser.  Este seria mais um duro golpe para ele, pois sempre se preocupou com a sua saúde e o seu bem-estar.  Temia que nossa filha nunca iria se casar pelo fato de possuir deficiência da visão. 

Hierania nunca teve filhos.

Também, nunca namorou com ninguém.

Minha filha, nunca se relacionou afetivamente.

Hierania é, até hoje, sexualmente virgem.

Disse-me que sempre se valeu da masturbação, isto é, da manipulação de seu clitóris para obter algum prazer sexual.

Minha filha desconhece o que é orgasmo vaginal.  Conhece apenas o orgasmo clitoriano.  Hoje, está com quarenta e três anos de idade.

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